domingo, 28 de junho de 2009

Curiosidades Ato I

Estou morando há três meses na Arábia Saudita e sinto-me feliz vivendo em Jeddah. Observo as pessoas com as vestimentas locais, e tenho a impressão de estar em uma festa à fantasia em pleno carnaval. Aliás, os costumes sauditas renderiam um belo samba enredo para um desfile na esplendorosa Sapucaí. Coisas diferentes e surreais acontecem habitualmente no mundo árabe. Mulheres alimentando-se por baixo da shayla e dos negros véus que cobrem o rosto e os cabelos durante as refeições em público, homens ciosos que deixam restaurantes onde não há divisórias entre as mesas na seção de família, e homens beijando várias vezes o rosto e andando de mãos dadas com outros homens; são cenas que fazem parte do meu cotidiano por aqui.

Quem não lembra das fitas K7? Aqui elas continuam vivas! Abastecem as prateleiras das lojas e disputam lugar com os CDs e DVDs. Nas modernas seções de eletrônicos, gôndolas exibem diferentes modelos de aparelhos “toca-fitas”que continuam a vender e tocar fita cassete. Estes dias achei uma fita K7 da dupla Sandy e Junior para vender.

A quantidade de lixo despejados pelo povo nas ruas, nas águas e na areia do Mar Vermelho são de ajoelhar e chorar. Existe uma quantidade muito grande de garrafas, cacos de vidros, sacolas plásticas e latas pelo chão. Perpetuar-se-ão fazendo companhia aos corais e conchas do Red Sea. Só é possível caminhar descalso às margens do Mar Vermelho nas áreas privativas dos clubes e condomínios. Suplicamos que a conciência ecológica chegue logo doutrinando os fiéis antes que o petróleo ouse acabar.

No Mc Donald’s, no Chili’s, no KFC, na Pizza Hut, no Applebee’s, no Friday’s, no Burger King,... Em todos estes e em muitos outros locais, até mesmo na praça de alimentação dos shoppings, mulheres possuem locais separados para atendimento e permanência. Nos locais que não existem as “FAMILY SECTION” (local somente para famílias e mulheres) as mulheres não são bem-vindas. Existem salas de espera nos consultórios médicos, e até mesmo alguns elevadores, que são separados para uso de homens e mulheres. Existem homens sauditas que são adeptos ao PURDAH, que é a prática de confinar mulheres em casa. Todas as lojas mistas e mesmo a maioria das lojas femininas, não possuem provadores de roupas. A presença masculina é maioria absoluta em todos os locais, no comércio você será sempre atendida por homens, até mesmo nas lojas de maquiagem, cosméticos e roupas íntimas (e tem muitas por aqui, uma mais linda que a outra, muitas vendem inclusive fantasias).

Em meio a pensamentos surrealistas, imagino o grand finale no dia do juízo final: mulheres sauditas tomadas de uma adrenalina voraz, queimando seus negros véus em fogueiras feitas em frente as mesquitas dos ditos fiéis. O mulherio dirigindo descontroladamente pelas ruas do deserto, com uma energia que fora acumulada ao longo de décadas. Subindo na mesa dos cafés, arrancando as abayas, vestindo charmosas lingeries por baixo, cantando e dançando “I Will Survive”. Encarnando verdadeiras rainhas do deserto!

Mumtaaz! Inchaallah!!!

terça-feira, 2 de junho de 2009

Old Jeddah

The Old Airport Souk é um mercado muito interessante e fica junto ao antigo aeroporto. Como sou apaixonada por quinquilharias antigas, adorei circular neste lugar com peças cheias de energia e história das arábias de antigamente. Vaguei pelos antiquários observando belíssimas relíquias e interessantes réplicas misturadas à peças novas. O comerciante de uma das lojas fez uma performance hilariante de uma odalisca cantando e dançando, e ficou impossível sairmos de mãos vazias. Me interessei por algumas peças que foram de dançarinas beduínas. Como não tínhamos um tostão na carteira, prometemos voltar no dia seguinte. Ele insistiu para levarmos as peças e voltarmos depois para pagá-las. Não aceitamos de jeito algum, e gentilmente, presenteou-me com um anel de prata. Cumprindo a promessa, voltamos no dia seguinte para concretizarmos a compra e ainda ganhei mais um colar e uma pulseira de presente. É uma lástima muitas das lojas estarem com as portas fechadas, perdendo lugar para os grandes e modernos shoppings que infestam as avenidas e transformam a cidade em um grande canteiro de obras.

Um dos meus lugares preferidos em qualquer lugar do mundo é, definitivamente, o centro das cidades. É no centro que as coisas continuam a acontecer, mesmo pertencendo ao passado os tempos áureos do glamour. Aqui, em Jeddah, não seria diferente. Ainda bem! O centro de Jeddah é recheado de história, cheiros, cores e muita barganha. Duas vezes por semana, nas terças e nas quintas-feiras, pela manhã, o ônibus do compound vai até o main souk (mercado central), onde os moradores efetuam desde as compras básicas até as mais excêntricas. Quanta bugiganga, devaneios acontecem!

A primeira vez que fui ao centro de Jeddah, comecei com passos tímidos percorrendo as ruas e mapeando o local. Passada a primeira hora, já havia descoberto algumas das vielas mais sinistras do bairro. Prédios antigos, tortos e com janelas encantadouramente talhadas em madeira surgiam em meio aos escombros de tantos outros. Me senti fazendo parte da história relatada nas folhas do livro “A Cidade do Sol” durante a guerra do Afeganistão, após os bombardeios atingirem a cidade de Cabul. Não cansei de olhar para todos os lados e admirar a bela arquitetura que homem e tempo ajudaram a maltratar. Mais alguns passos e um clarão reluzente me chamou a atenção e me ofuscou a visão. Era a travessa das jóias, repleta de muito ouro e pedras preciosas. Já um tanto perdida, próximo da hora programada para o retorno, apressei o passo até encontrar o ônibus que já estava de partida.

Com meu marido também fiz novas descobertas e, nos labirintos do centro, fomos mais além... Percorremos as ruazinhas cheias de lojas de lenços, tecidos brocados, abayas (vestimenta preta obrigatória para mulheres), thobes (vestimenta masculina local), e muitas lojinhas de especiarias multicoloridas que são vendidas à granel. Na andança, nos deparamos com um par de canhões que os árabes usaram para se defender dos portugueses em alguma batalha a uns quinhentos anos atrás, nem eles sabem precisar a data. Estes canhões ficam em frente a Nassif House, que hoje abriga um museu e centro cultural. A casa foi construída entre 1872 e 1881, possui cento e seis aposentos, e era propriedade de um sheik. Neste dia ela estava fechada para visitações. Como vou ao centro semanalmente, uma das vezes consegui adentrar em um dos salões da residência. A visitação interna da casa só é permitida acompanhada de agência de turismo local; voltarei em um destes passeios com guia. Ouvi dizer que a casa reserva surpresas aos visitantes; a mais incrédula de todas, sem sombra dúvida, é que teriam roupas da Eva bíblica (isso mesmo, a EVA de Adão) em seu interior. Como?! Folhas de figueira, farrapos de pelego, trapos?!! A cultura islâmica reserva surpresas e curiosidades que até a nossa vã filosofia não ousaria explicar. Tão de sacanagem... Tô muito curiosa para desvendar!