domingo, 28 de fevereiro de 2010

Retorno ao Cárcere Saudita

De férias em Porto Alegre, passei a sentir saudades da minha rotina saudita. A sensação de ter dois lares é por vezes estranha. Quando você está se acostumando com um, chega a hora de partir para o outro. Somente agora pude mexer na mudança vinda do período em que moramos em Taipei, Taiwan. Muitas surpresas ao abrir cada caixa: talheres, louças, objetos chineses, imagens e quadros de Buda. Um mundo de quinquilharias que poderiam ter se perdido nas profundezas dos oceanos durante o trajeto até o Porto de Rio Grande. Mas eu senti apego a elas e agora precisarei tempo e lugar para acomodá-las em nossa residência gaúcha. A nostalgia fez-se presente no desencaixotar e veio acompanhada de relatos que passavam em minha mente. Peças nutridas de emoções que acompanharão minha historieta terrena. Preciso exercitar mais o desapego.

Os últimos dias da temporada gaudéria de verão foram assoberbados. Todas as manhãs participava de aulas para aprender a fazer flores artificiais. De volta à Jeddah, continuei praticando esta arteterapia em solo arábico e fazendo flores de tecido para transformá-las em porta docinhos personalizados. Junções familiares, reencontros em botecos, e uma festa de encerramento da temporada que foi dedicada ao primo Osama, compuseram os rituais festivos antes do meu retorno. A festa foi no BAR BONGÔ, na Cidade Baixa, onde o mulherio passou a noite pedindo o sorteio do camelo que cantarolava em árabe, camelo este originário da arábia, legítimo! Os músicos da banda que faziam o show no local nos negaram o palco para realização do sorteio, e tive que subir nas caixas de som do bar para retirar o papel com o nome e divulgar o grande ganhador. Não imaginava que fosse dar tanto ibope, todos queriam levar o camelo baio para casa.

Sempre gostei muito de beber cerveja. Ainda menina, nos finais de semana, meus pais me deixavam beber um copo de Malzibier durante as refeições. Achava aquela bebida docinha uma verdadeira delícia, e acabei pegando gosto pela coisa. Neste vai e vem de acontecimentos, nunca havia pensado em produzir minha própria cerveja. Como na Arábia Saudita o consumo e a venda de bebidas alcoólicas é proibida, passamos a fazer nossa cerveja em casa. Na primeira safra, colocamos até rótulo com logotipo nas garrafas do IKEA, e batizamo-as de Falcon Beer. Além de gostar de beber cerveja, fiquei interessada em suas alquimias e passei a ler um pouco sobre o assunto e procurar curso na área para aperfeiçoamento da técnica caseira atual. Como aprendiz e sem vislumbrar maiores interesses, me inscrevi no curso de cerveja artesanal da Escola de Gastronomia Aires Scavone, em Porto Alegre. O curso teve duração de um dia, e no início da tarde tivemos uma gostosa pausa para um delicioso almoço germânico na escola. Fiquei vidrada com a beleza das folhas verdes de uma linda muda de lúpulo que os mestres cervejeiros apresentaram orgulhosos. Entre controles de temperaturas, altas fervuras, maltes e fermentos, me juntei à turma de interessados em produzir a cerveja “Pale Ale”. Meu paladar ficou tremendamente satisfeito após a degustação, e ofereço esta refrescante bebida bendita a todos os Deuses em seus seis mil anos de história e a todos os outros anos que ainda virão. Meu retorno à Arábia Saudita deu-se um dia após eu me inteirar dos ingredientes e segredos sobre a fabricação da cerveja de panela. Tornei-me uma paneleira confessa. Somos “home brewers” das arábias.

A mesmice consiste em não existir marasmo.O mundo continua a girar... Assim os dias passam e sigo me divertindo pelo deserto. Sem álcool, sem drogas e sem rock n’ roll!



sábado, 20 de fevereiro de 2010

Temporada Brasileira

Sobrevoar a região de Porto Alegre antes de pousar no Aeroporto Salgado Filho me deixa em estado de euforia. É bom poder retornar ao lugar de onde viemos, a nossa terra natal. Chegar ao desembarque e ser esperada por pessoas especiais, não tem preço, é melhor que Mastercard. Tem gente que nem chega a sentir falta da gente, e tem aqueles que dizem que você faz falta, fazem drama, e quando você chega não conseguem um mísero tempo para te ver. São coisas da vida moderna. Fazer o quê?!

O roteiro gastronômico não ficaria de fora durante a minha estada brasileira. Fiz churrasco com minhas próprias mãos, percorri meus restaurantes prediletos e pude provar outros tantos. Descoberta pelo meu irmão a alguns anos atrás, fomos várias vezes na churrascaria Porto Belo, na rua São Manoel. Sou fã da salada de maionese que eles fazem lá. Mas como churrasco bom tem que ser de costela, estivemos na Costela no Rolete. Costela de gado, de porco e leitão à pururuca; sempre regadas com cerveja geladíssima de marcas locais excelentes. Saboreei o risotto de funghi do Peppo Cucina e realizei o desejo de conhecer e provar a culinária francesa do Restaurant Chez Philippe. O ambiente dos jardins no casarão da Av. Independência é agradável e de muito bom gosto. O serviço, a entrada e a sobremesa foram um verdadeiro desastre, salvou-se a caipirinha e o prato principal que estava maravilhoso.

Tenho verdadeira paixão por organizar festas. Gosto de pensar em cada detalhe, dos comes à decoração. Não achando galhos de pinheiro para vender na Ceasa e em meio a ataques de fixação e crises em busca da perfeição, fui com uma amiga a uma praça no bairro Jardim Lindóia. Sentamos para conversar ao lado de dois pequeninos pinheiros, e entre uma conversa e outra, fui desgalhando os coitadinhos até ficaram depenados. Peço que Papai Noel não me castigue por este Crime Ambiental cometido antes da noite feliz. Não quis preparar para a ceia aquele menu tradicional que não satisfaz muito o meu paladar. Resolvi produzir bacalhau ao molho de natas, purê de mandioquinha, salada de aspargos, fios de ovos, torta de sorvete com calda quente de chocolate (minha especialidade), panetone e damascos recheados com chocolate branco e flores comestíveis. Caprichei mais uma vez nesta festividade de fim de ano e preparei um ambiente com esmero para receber a família do meu marido, meus irmãos e três amigas queridas.

Buscando renovar energias e agradecer os bons feitos ocorridos em 2009, arrumei as malas e peguei a estrada em direção ao litoral. Destino: A bela e Santa Catarina! Cada vez que retorno a Florianópolis fico mais apaixonada. Cidade eclética e cheia de novidades. O charme e a tranquilidade de jantar e passear em Santo Antônio de Lisboa, o filé e as batatas flambadas no badalado Chopp do Gus e o banho de mar são coisas que deixam a vida cor-de-rosa. Fazem tudo valer a pena. A virada do ano foi brindada em uma grande festa na casa de amigos, na localidade de Rio Tavares. Saudamos 2010 até o dia amanhecer e o DJ transcender, para não restar dúvidas de que o novo ano chegaria...

O prazer é um grande propósito para se viver e a gula é uma fonte de prazer. Pode ser o cachorro quente do Rosário, uma à La Minuta na beira da estrada, um caldo de cana ou uma mariola. Tudo vira um delicioso banquete quando estamos acompanhados de pessoas especiais. Que venha 2010!