sexta-feira, 18 de setembro de 2009

Jejuando no Ramadan

Estamos em pleno Ramadan! Na Arábia Saudita, ele iniciou, neste ano de 2009, no dia 22 de agosto e terminará no dia 19 de setembro. Vinte e nove dias, os mais sagrados do calendário lunar islâmico, onde a pessoa tem que jejuar do nascer ao pôr-do-sol. Como é minha primeira experiência com esta festividade religiosa, deixei para escrever nos últimos dias. Precisava vivenciar e tentar entender um pouco melhor estes fatos imersos em suas crendices e lendas. O país está lindamente decorado com luzinhas, estrelas, luas, lamparinas e tendas. O mundo muçulmano está em festa!

Segundo a tradição, foi nesta época do ano que o profeta Maomé (Mohammed) teria recebido a revelação do Alcorão. Aos pecadores, esta é a oportunidade de redimirem-se dos pecados. Eles ficam sem beber e sem comer para entender como os pobres se sentem. Precisam livrar-se de tudo que vai contra os ensinamentos de Allah. Mulheres grávidas, enfermos e crianças não precisam praticar o jejum.

Quando cheguei em Jeddah, há seis meses atrás, muitas pessoas se referiam ao Ramadan como uma coisa ruim. Muitos ocidentais migram para seus países de origem nesta época do ano. Os não-muçulmanos acham que é um período de abstenção em suas rotinas. Eu curti o Ramadan em cada um de seus detalhes. Curti ainda mais. Durante o Ramadan, os supermercados abrem à partir das 10hs e parte do comércio das 14hs às 17hs. As cinco pausas para as rezas diárias continuam. Nenhum restaurante, cafeteria ou afins funcionam pela manhã ou a tarde. Mesmo os estrangeiros estão proibidos de comer, beber e fumar em público durante a luz do dia. Por volta das 18h30min, dependendo do dia e da região, ocorre a quebra do jejum, chamado de Iftar (café da manhã). Minutos antes deste horário as pessoas lotam as ruas e restaurantes em busca de alimentos. Nas sinaleiras, são distribuídas tâmaras docinhas e macias com laban e água gelada. Depois do café da manhã noturno acompanhado de um farto desjejum, eles voltam a rezar e as ruas ficam desertas. Retomam as atividades à partir das 22hs, que perdurará por toda a madrugada, até o primeiro raio de sol. Não tem balada, mais tem Ramadan! Morcegos do deserto.

Em uma tarde dessas, estava no shopping e me bateu uma sede feroz e incontrolável. Comprei uma bebida no supermercado do Mall e fomos para o carro. Bebemos escondidos, certificando-se que ninguém se aproximava. Beber um líquido inocente e lícito pode resultar em “cana” durante o jejum. Fui a quatro Iftars (café da manhã) aqui em Jeddah. É uma comemoração cara, em torno de cinquenta dolares americanos por pessoa. Em um deles, ao nos servirem, começamos imediatamente a comer. Depois de alguns olhares, fomos advertidos de que tínhamos que parar e aguardar o horário certo para começarmos a comer, depois do horário da reza. Tá ficando difícil se livrar dos pecados. O tradicional Iftar saudita, entre muitas comidas e bebidas, é farto de tâmaras. A tâmara é reverenciada pelo povo árabe. Maomé recomenda ao seus fiéis que idolatrem o fruto como sendo um membro da família. Ele afirma que a tâmara foi criada com o resto de barro usado para criar Adão.

Acho que nunca tinha ouvido falar sobre o Ramadan em outra época da minha vida. Estou cumprindo sacramento mas não me considero uma pessoa das mais cristãs. Fiz primeira comunhão, fui batizada e crismada. Tenho admiração por particularidades de religiões distintas, mas muitas vezes me descobri ateia. Talvez a admiração que eu tenha por outras religiões seja de outras vidas. A vida e seus sabores estão cheios de pontos de interrogação, exclamação e vários três pontinhos. Mas não temos como prever quando será o ponto final, se é que ele existe...

Ramadan Kareem!!

sexta-feira, 11 de setembro de 2009

Piquenique em Taif

Nunca imaginei que no Reino da Arábia Saudita, assim como em outros países árabes, eles fizessem tanto piquenique. Mas fazem. São ciganos do deserto! Eu que adoro um passeio e uma farofada, tratei de comprar um tapete com palácios e camelos do deserto estampados. Adquiri uma garrafa térmica em estilo árabe e fiquei esperando o dia que o tal convescote se concretizasse em um canto qualquer.

A oportunidade para o típico piquenique acabou aparecendo. Subimos a serra saudita em direção a cidade de Taif, lugar onde os árabes adoram passear em busca de um calor bruxuleante nas alturas. Pegamos o acesso para não-muçulmanos em direção a cidade e deixamos Meca (capital espiritual do islamismo) para trás. Avistamos as tendas dos beduínos nômades com seus rebanhos de camelídeos. Montanhas de pedras em um solo arenoso. O trajeto de aproximadamente 150km passou rapidamente e nem senti que estávamos a uma velocidade de 170km p/hora. Não entendi a pressa. Me dei conta que estávamos nos aproximando de Taif quando a altitude começou a aumentar drasticamente. Paramos para registrar o cenário através de fotos e percebi o frescor da temperatura em minha pele.

Chegando em Taif as coisas complicaram um pouco, as placas estavam escritas somente em árabe e não tínhamos noção para onde ir. Estávamos com mais brasileiros em outros dois carros, e o aparelho GPS de um deles não achou informações turísticas animadoras. Aliás, como a Arábia Saudita é um dos países mais fechados do mundo, eles não emitem visto de turismo, somente visto de turismo religioso, ou seja, para muçulmanos. Descolamos a visita ao zoológico da cidade e fomos até lá conferir. Não tínhamos muita escolha, o horário do meio dia se aproximava e junto a hora da reza e da sesta, onde tudo fecha por algumas horas. Acabamos entrando e alugamos um carrinho de golfe para nos protegermos do sol do meio dia. Os homens logo abandonaram a direção e o pequeno veículo. Eu assumi o controle da máquina e os olhos sauditas não aprovaram muito. Seguimos o passeio. Pobres animais! O elefante olhava tristonho e o jacaré estava ensopado na água quente e suja acompanhado por garrafas vazias que foram jogadas. Na gaiola do pássaro Quail, havia um gato que descansava tranquilamente na sombra do telhado, talvez fazendo a digestão. Os cães e os gatos ganham destaque, aqui eles são animais de zoológico. Já os camelos e os dromedários pareciam contentes no hábitat arábico.

Fomos até a entrada de outro parque e montamos o piquenique à sombra de algumas árvores. Comemos, bebemos e curtimos um chimarrão rodeados por árvores decoradas com centenas de sacos plásticos tremulando ao vento oriundos do lixo que o povo deixa por onde passa. Não localizamos as famosas plantações de rosas e não andamos no teleférico. Assim, teremos pretexto para voltar à serra saudita.

No retorno, encostamos o carro para ver um bando de macacos babuínos recebendo guloseimas e divertindo as pessoas com seus traseiros vermelhos. Nos despedimos dos babuínos e dos beduínos. Descemos a região montanhosa e voltamos pela estrada envoltos pela imensidão das areias do vasto deserto. Uma vegetação escassa, mas existente e de um verde intenso. Provando que a vida é possível em todos os lugares, em qualquer condição, em toda direção.

terça-feira, 1 de setembro de 2009

Comes, Bebes e Cia

Finalmente provei a carne de camelo árabe. Comi um pedaço da costela (meu corte predileto) deste alto e desengonçado bichão. Mesmo não encontrando a carne de um animal novo no supermercado perto de casa, me surpreendi. Macia e saborosa, semelhante à carne de gado em aparência e sabor. Foi feita à moda gaúcha, assada na brasa, mas com sal fino, já que aqui em Jeddah ainda não encontramos sal grosso para vender. O leite da camela árabe também é bom. É mais saudável e incorpado que o leite de vaca, mas é três vezes mais caro. E, assim como a carne, não se encontra em qualquer supermercado.

Como o consumo e a venda das bebidas alcoólicas são proibidos em toda a Arábia Saudita, as casas de suco de frutas são predominantes na maioria dos locais. Eles também vendem caldo de cana e aparentemente as máquinas são mais evoluídas do que as encontradas no Brasil. Logo que cheguei, comprávamos garrafa de dois litros para beber em casa, mas logo eliminamos este hábito açucarado e calórico. Gosto muito do suco de manga com abacate e mel, tem um gostinho todo especial. Bebo bastante o de limão com hortelã e algumas vezes o suco de romã, super na moda em virtude de seus benefícios.

O manjericão, erva aromática que aprecio pela beleza das folhas e seu atraente perfume, é planta ornamental comum nas arábias. Seu verde vívido enfeita os canteiros e praças da cidade, a área dos condomínios e os vasos das residências. É usado também como uma forma de repelente, pois há épocas em que muitos mosquitos e moscas ficam zumbindo pelo ar. Os pés de manjericão resistem bravamente ao estufante calor e às regas escassas.

Os pães, ah os pães! São delícias das Arábias. Perdição que vem desde os tempos da pré-história. Os pães árabes sempre acompanham as refeições, eles chegam macios e quentinhos na mesa dos restaurantes sob diversas formas. Delicio-me com muitos deles antes da refeição, principalmente no restaurante Al Fairuz, e quando a comida chega, já estou satisfeitíssima. Adoro comprar o pão sírio, aquele chato, preparo torrada com eles. Tem também o markuk, que é tipo uma folha, preparo-os em forma de crepe com diferentes recheios. A durabilidade deles é curta, rapidamente mofam e perdem o encanto. O povo árabe, ainda mais os beduínos, alimentam-se com as mãos, e os pães neste formato servem para pegar os alimentos.

Antes mesmo de definirmos a nossa mudança para Jeddah, já pensava nos cursos de culinária que talvez encontrasse no Oriente Médio. A culinária árabe é uma das mais ricas do mundo, e tinha certeza que encontraria algo. As confeitarias são verdadeiras joalherias; grandes, espelhadas e de encher os olhos. Mesmo com opções limitadas para o público feminino, descolei um curso de decoração de bolos da Wilton, da mesma escola do Canadá e dos Estados Unidos. Uma turma de oito mulheres e eu, a única não muçulmana. Acabei de concluir o primeiro nível, onde duas colegas negavam-se em remover a abaya durante as aulas, e com relutância descobriam o rosto e os cabelos. Fotos dentro da sala de aula, nem pensar! As aulas recomeçam no dia 04 de outubro, e estou com muita curiosidade para conhecer minhas colegas e aprender novas técnicas.

Allah revelou ao profeta Maomé, que uma moça para casar-se, precisa “fisgar” o homem pelo estômago. Este antigo e certeiro ditado que talvez venha do Alcorão (livro sagrado do Islamismo) eu pratico e recito todos os dias. Mas nem só de pão viverá o homem. Ele precisa alimentar-se com todos os sentidos!